Como se faz a Cerveja?




 O que é a Cerveja?

Segundo as Normas Técnicas Relativas a Alimentos e Bebidas, cerveja é o produto obtido da fermentação alcoólica, pela Saccharomyces cerevisiae, de um mosto preparado com cevada maltada, adicionado ou não de outros cereais não maltados, lúpulo e água. As cervejas, segundo a legislação, são classificadas de acordo com o grau de fermentação e o processo de preparação em:

 a) de baixa fermentação: cervejas cuja fermentação se processa a temperaturas inferiores a 4º C. 
b) de alta fermentação:cervejas cuja fermentação se processa a temperaturas superiores a 20º C. 
c) chopp: são cervejas de baixa fermentação, não pasteurizadas e acondicionadas em vasilhames adequados.

 As cervejas sempre pertencem a dois grandes grupos: tipo Lager e tipo Ale. As do tipo Lager são conhecidas com os nomes de Pilsen ou Pilsener, Dortmunder, Viena, Munique (Munchen) e Bock. São as mais comuns em todo o mundo e é este tipo que se produz no Brasil, pois são mais adequadas ao nosso clima. Elas se encaixam na definição do tipo a, de baixa fermentação, um processo lento de fabricação. Estas cervejas têm sabor suave e composição média de 3,58% de álcool em peso, 1,12% de açúcares expressos em maltose, pH 4,3 e 2,27 volumes de CO2 no produto após envasamento.

 Assim, a Pilsen é de cor clara, sabor mediano a lúpulo; a Viena é de coloração ambar e sabor mediano a lúpulo; já a Munique tem cor mais escura, é "encorpada", tem sabor adocicado de malte e leve a lúpulo. A cerveja Bock é "pesada" com sabor adocicado de malte. As cervejas do tipo Ale são conhecidas com os nomes de Porter e Stout. São as cervejas do tipo b, de alta fermentação. As cervejas Ale tem cerca de 5 % de álcool e menos lúpulo que as Lager; são adocicadas e designadas de Malzbier ou Stout. 

O produto final, cerveja, é uma bebida não destilada, com teor alcoólico na faixa de 3% a 8%, que apresenta variações de sabor e de composição conforme a região onde é produzida; há especificações para cerca de 187 "tipos" considerando as mais conhecidas mundialmente.   
                
  
Matérias primas para fabricação de cerveja  

Para fabricar uma cerveja necessita-se de basicamente: malte (enzimas), complementos do malte (amido), levedura, lúpulo e água. Malte é a cevada germinada. Pode ser preparado com outros cereais como o milho, o arroz e o trigo, entre outros. Para se proceder à maltagem que é a operação que envolve a germinação e posterior secagem do grão, a cevada é colocada sob maceração em água até alcançar cerca de 45% de umidade; a germinação deve ser feita em condições controladas de temperatura, umidade e aeração e depois seca-se até cerca de 10% de umidade a temperaturas próximas de 70º C. As enzimas presentes são α-amilase, β-amilase, maltase e proteases. Estas enzimas transformam o amido, presente no próprio malte e originalmente na cevada, em açúcares para a ação das leveduras e produção de álcool. 

Maceração da cevada
 Os tanques de maceração são geralmente de aço inox, abertos, com dispositivo para aeração forçada. O tempo de maceração é de 3 a 5 dias, com temperaturas de 10º a 20º C. O volume de água é de 300 a 350 L/ 100 L de cevada, atingindo o conjunto, 2/3 do volume do tanque. A água pode ser trocada quando a temperatura aumentar muito e é utilizada para fermentações industriais, pois é rica em açúcares, substâncias nitrogenadas e sais minerais. Adição de SO2 ou hipoclorito à água promove a assepsia e facilita o intumescimento. 

Germinação 
A germinação pode ser feita da forma tradicional, em naves construídas de alvenaria e piso de cimento ou asfalto, por espalhamento do cereal macerado em camadas de 30 cm de altura, aspersão de água e revolvimento; mantendo o sistema ao abrigo da luz. O processo tem duração de 8 dias, em temperatura ótima de 15º C; é exotérmico e termina quando o grão alcança a sua fase máxima de produção de enzimas, ou seja, quando a radícula atingir 2/3 do comprimento total do grão.  

Secagem 
A secagem é feita para paralisar a atividade biológica da germinação após ser atingido o ótimo. Do malte verde (45% de umidade) obtém-se o malte seco, que tem de 9 a 14% de umidade. A secagem é feita em 2 fases, de início a temperaturas de 20 a 70º C, por 20 min. Na fase final, o secador estará a 70º a 95ºC, por 2 a 3 min, para se obter o malte claro destinado à fabricação de cervejas Lager, ou por 5 min., para malte escuro e fabricação das Ale. O controle da umidade e da temperatura nas fases do aquecimento são importantes porque há condições de desenvolvimento da reação de Maillard, o que caracterizará a cor do malte obtido. Tostadores podem ser utilizados quando se pretende obter o malte "caramelo", porém a atividade enzimática é reduzida. 

Complementos do malte
 São as fontes de carboidratos principalmente o amido fornecedores dos açúcares redutores fermentescíveis. As enzimas do malte agem sobre o amido da cevada que lhe deu origem, porém precisam de mais substrato para uma maior sacarificação; este vem dos complementos adicionados, que podem entrar na proporção de até 50% da quantidade de malte. Os sucedâneos do malte mais usados são o milho, o arroz, o trigo e a cevada não maltada. No Brasil, o melhor, por condições de preço é a quirera de arroz. As indústrias vêm adotando o xarope de maltose como fonte de açúcar fermentescível, que tem a função de acelerar a mosturação e fornecer substrato para a ação das maltases.

 Leveduras 
As mais utilizadas são as do gênero Saccharomyces cerevisiae e Saccharomyces uvarum. A levedura pura e selecionada provém de meio de cultura sólido ou são células liofilizadas. Essas leveduras têm que ter habilidade em produzir álcool, além de flocular e sedmentar, o que permite a separação da cerveja obtida do inóculo. A forma melhor e mais rápida de se multiplicar o fermento é a partir de uma fermentação vigorosa, onde o mosto em fermentação é diluído em mosto estéril. O fermento deverá ter 106 a 108 células/ ml.

 Lúpulo
 É uma planta cultivada na Alemanha. Os cachos florais são colhidos da trepadeira e as flores são secas e comercializadas na forma de pellets. As flores contém a lupulina, que é um material resinoso, de sabor amargo, onde predominam resinas, antocianinas, tanino e α-ácidos. O lúpulo tem dupla função, a aromática e a que propicia o sabor amargo. O lúpulo é adicionado na fase final de fervura do mosto.    

Água 
É fator importante na escolha do local para a cervejaria, pois o volume usado é da ordem de 1000L para cada 100L de cerveja obtida. Deve ser potável, não alcalina, levemente dura, com cerca de 500 mg/ml de sulfato de cálcio e corrigida quimicamente, se estiver fora dos padrões.  

Processamento da cerveja  

O processo, dentro da fábrica de cerveja, inicia-se com a moagem do malte. O malte estocado nos silos é moído por esmagamento entre rolos, em número de 2, 4 ou 6. O importante é que a moagem não seja muito severa para não prejudicar a fase de filtragem, pois as cascas é que se constituem no filtro.  Também, a moagem, se muito grossa, não preencherá o seu objetivo, que é de facilitar a hidrólise do amido pela maior superfície de contato. Os complementos do malte devem ser moidos mais finamente. A seguir, as matérias primas devem ser agrupadas e a sequência de operações será a mosturação, fervura, fermentação e maturação. 

 Mosturação 
É a fase de preparação do mosto. Consiste em se misturar o malte moído, a água e os sucedâneos do malte, em dornas que trabalham a temperaturas baixas de início, e vão aquecendo por etapas até 75ºC. O objetivo é gomificar o amido para facilitar a hidrólise deste por parte das enzimas do malte. Os complementos do malte como o arroz ou o milho são cozidos à parte até formação de goma e a seguir são adicionados às dornas devido à viscosidade. Quando se deseja obter a cerveja escura, na fase de mosturação é que se incorpora o caramelo. 

Há 2 formas de se proceder à mosturação, que são a infusão e a decocção, esta a utilizada para processos de baixa fermentação. Alguns recursos devem ser utilizados para ir-se elevando gradativamente a temperatura, como por exemplo, cozinhar 1/3 do mosto separadamente à ebulição e incorporá-lo ao restante. Assim, esta porção eleva a temperatura do conjunto, já estando completamente gomificada, o que facilita o trabalho das enzimas. Procede-se a 3 fervuras e as temperaturas do mosto vão se alterando, com sucessivos aquecimentos e resfriamentos, e as enzimas vão agindo. 

Quando a massa estiver a 50ºC, estarão agindo as proteases, a 60ºC - 65ºC, ocorre a sacarificação pela β-amilase e a 70ºC - 75ºC, a dextrinização do amido pela α-amilase. O amido ao ser atacado pela α-amilase e β-amilase, quebrará as ligações α-1,4 com produção de maltose, que será degradada a glicose pela ação da maltase. As dextrinas com ligações α-1,6 permanecerão sem degradar e propiciarão o "corpo" à cerveja, além de colaborarem no sabor e aroma da cerveja. O ponto fundamental da mosturação é a degradação do amido, que se hidrolisa a açúcares fermentescíveis como maltose, glicose e maltotrioses, além de formar dextrinas. O amido hidrolisado se liquefaz. Na mosturação é importante a ação das enzimas proteolíticas. 

Os aminoácidos produzidos pelas enzimas proteolíticas devem estar presentes para servirem de nutrientes às leveduras, na fase de fermentação. As proteinas não degradadas também são necessárias para proporcionar boa qualidade e estabilidade à espuma da cerveja. Ao final da mosturação, quando as enzimas já estão inativas a 75ºC, procede-se à clarificação ou filtração do mosto, por gravidade, através das cascas do malte que formam uma cama no fundo da dorna. Após a drenagem, faz-se a aspersão de água a 75ºC, por várias vezes, até o resíduo se apresentar com 1% de extratos solúveis.  

Fervura ou ebulição do mosto
A operação anterior de mosturação e esta de fervura são designadas de brassagem na cervejaria. Nesta fase há precipitação de proteinas, resinas e taninos.  Após a filtragem, o mosto é levado à fervura em dornas a 100ºC, durante 2 horas. O objetivo principal é esterilizar o mosto, para receber a levedura. Também ocorre a concentração deste, a aromatização e a caramelização de alguns açúcares. O lúpulo é adicionado, à base de 2 a 3 g/L ao final da fervura, uma vez que os óleos essenciais responsáveis pelo aroma são voláteis e podem se perder na fervura. O mosto é filtrado novamente e vai para o resfriamento em trocadores de calor; a temperatura cai para 8ºC a 10ºC. 

Fermentação
 Ocorre em dornas fechadas de aço inox, que recebem o mosto resfriado de 4ºC a 8ºC. Quanto mais baixa a temperatura, melhor a qualidade da cerveja.  O fermento preparado com uma concentração de células de 106 a 108 /mL, que equivale a 77 g de levedura (matéria seca) em 100L de mosto, é adicionado inicialmente nas dornas abertas. 

Após algumas horas começa a aparecer uma fina espuma branca; na fase mais tumultuosa da fermentação, a temperatura atinge 15º C e a velocidade da fermentação é fundamental para a boa qualidade do produto. O mosto é então transferido para a dorna fechada, com serpentinas para resfriamento, do tipo "out door", medindo 17 a 20 m de altura e 7 m de diâmetro. O pH cai de 5,2 para 3,8, nas primeiras fases da fermentação e é favorável ao desenvolvimento da levedura. 

Correção com ácido lático. 
Durante a fermentação, ocorre a utilização do açúcar pelas leveduras e produção de CO2 e álcool. Assim temos:      
      C6H12O6 → 2C2H5OH + 2CO2 

O acompanhamento da fermentação pode ser feito através da medida dos sólidos em solução, graus Brix. Dependendo da quantidade de sólidos no início, traduzidos pelos açúcares fermentescíveis, tem-se uma quantidade maior ou menor de álcool na fase final da fermentação. No final da fermentação, a temperatura cai de 6ºC para 2ºC; as leveduras floculam e decantam. Após 7 a 12 dias estará completada a fermentação, que é chamada de fermentação principal. Como produto, temos a chamada cerveja "verde". O CO2 se mantém solubilizado dentro da cerveja porque está frio; o mosto vai sendo manuseado e ele vai se desprendendo. O CO2 é lavado e reutilizado liquefeito para uso no acabamento e engarrafamento da cerveja. Podem-se recuperar as leveduras da parte mediana das dornas e incorporá-las à ração animal como "single cell protein". 

Maturação 
Após a fermentação principal ocorrer, a cerveja verde, que ainda possui uma suspensão de leveduras e uma parte de material fermentescível passa por uma fermentação secundária, chamada maturação. Na verdade, é um repouso prolongado a temperaturas frias, de 0ºC a 3ºC que contribui para a clarificação da cerveja e melhoria do sabor. Pode durar 40 dias (caso da Brahma Extra) ou mais tempo. Há precipitação de leveduras e proteínas. Os ésteres formados, como o acetato de etila e o acetato de amila é que caracterizam a cerveja "madura". As células restantes vão ao fundo; o amargor do lúpulo se atenua e o sabor da cerveja se estabelece. A seguir são feitas a clarificação, a carbonatação e a filtragem, como operações de acabamento da cerveja. 

A clarificação utiliza tipos variados de filtros.  A carbonatação sob pressão faz com que o gás seja absorvido pela cerveja, em substituição a parte do oxigenio. Filtros de terra diatomácea e de placas de celulose, são utilizados na última etapa do processo; a cerveja descansa 24 h. antes de ser embalada. 

Produto final  
Apresenta-se em garrafas pasteurizadas, ou latas de alumínio com adição de CO2 ou barris de madeira ou inox, mantidos a 4 a 5 atmosferas, com adição de CO2 e que devem ser mantidos sob refrigeração.  A adição de CO2 é feita no fundo da garrafa, antes de se colocar a cerveja; a seguir é feito o enchimento e as garrafas entram no túnel pasteurizador, durante 25 a 27 min.; neste a faixa de 60 a 62ºC é mantida por 7 min e ao final a garrafa estará a 30º C. Para se produzir 100 L de cerveja a 3,7 G.L., são necessários cerca de 14 kg de cevada maltada, 5 kg de complementos do malte, 1000 L de água, 0,16 kg de lúpulo e 3 kg do CO2. 

O laboratório de controle de qualidade de uma cervejaria é fundamental, analisa as matérias primas, os produtos em processo e a bebida e suas características. No mosto são analisados: gravidade específica, pH, acidez total, açúcares redutores, aminoácidos livres, proteína, amido, cor e viscosidade. Na cerveja em processo são analisados: gravidade específica, grau de fermentação, pH, acidez total, açúcar fermentescível, aminoácidos livres, proteína, cor, oxigênio dissolvido e bactérias contaminantes.

 Na cerveja finalizada são analisados: teor alcoólico, gravidade específica, extrato original, extrato final, grau de fermentação, estabiblidade de espuma, oxigênio dissolvido, proteínas, amido, iso α ácidos, pH, diacetil, SO2, Cobre, Sódio, Oxalato de Cálcio, flavour, estabilidade do flavour, CO2, clareza, bactérias contaminantes. Os aromas e flavours desejáveis são no malte os produtos voláteis de Maillard como o maltol e dimetil-sulfide. No lúpulo, as iso-humulonas, óleos essenciais e produtos de oxidação como o linalol. No produto fermentado, o etanol, ésteres como o etil acetato e ácidos orgânicos como o ácido acético.

*Trecho Extraído da Apostila de Biotecnologia Industrial
 Produção de Alimentos -  Prof.  Kelly Nobre - Universidade Estadual de Goiás
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